(Com a ajuda
de Gerivânia Lins)
Qual o
limite para a desumanização de alguém? Quando cruzamos o limite que nos
distingue dos animais? Dentre inúmeras barbáries cometidas pelo ser humano
(contra o próprio ser humano) uma que incomoda e muito, até pelo seu ranço medieval,
é como se trata pacientes com deficiência mental no Brasil.
Há pouco tempo,
ao assistir uma reportagem ousada do jornalista Roberto Cabrini, fiquei na
dúvida se estávamos no século XXI (com seus inúmeros adventos tecnológicos e médicos)
ou em uma masmorra na Europa do século XXVI.
Tudo ali
transpirava desrespeito brutal às pessoas extremamente necessitadas, portanto portadoras
de necessidades especiais (mais carinho, atenção, interesse fraterno e não
meramente profissional). O programa é o Conexão Repórter, do SBT. O Hospital em
questão, o Vera Cruz,em Sorocaba(SP).O que se viu do começo ao fim foi,no
mínimo,nauseante,devido ao desdém contra seres humanos perdidos em seus mundos
individuais.Quando foi que nos tornamos
tão insensíveis?
Automaticamente
me lembrei do maior hospital psiquiátrico da história do Brasil (ao menos, o
mais conhecido) o Juqueri, que também viveu dias tenebrosos.
Situava-se na Fazenda Juqueri, com 1.100
hectares ou 731 quilômetros quadrados de área. Tratava-se de uma instituição
prestando atendimento aos municípios de Franco
da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Cajamar e Mairiporã. Esses
municípios formaram-se a partir do hospital.
Em 1981, o complexo contava 4.200 pacientes
entre o Juqueri e o Manicômio Judiciário, instalados na mesma área. Em 1995,o
diagnóstico detectou 1.800
internos;em 1998, havia 1.411 internos (741 homens e 670 mulheres) e nenhuma
criança. A maioria (47%) tinha entre 41 e 60 anos, estava sob os cuidados de
2.213 funcionários (médicos, técnicos e administrativos). Em 2005 um incêndio
atingiu o setor administrativo do prédio do Hospital. Do edifício sobraram
apenas as paredes estruturais e uma parte da cobertura do piso inferior. No
mesmo ano, cerca de 500 internos foram transferidos para clínicas. A
administração implantou um programa de resgate da cidadania de pacientes, funcionários e moradores. O funcionário passa
por cursos de aperfeiçoamento profissional e os pacientes voltam cada vez mais
ao convívio com a sociedade. Mas nem
sempre foi assim.
Durante
muito tempo as condições dos internos era a mesma que a de um campo de concentração.
Tratamento a base choque elétrico e força bruta eram usuais.O desinteresse por
parte dos “funcionários” era gritante.Tal qual como se lida com a população
carcerária,não se procurava recuperar ninguém,apenas “confinar” seres humanos.Quando foi que ficamos tão indiferentes ao
sofrimento humano?
Se isso
já feria todo e qualquer direito que a pessoa (sã ou não) tinha naquela época, nos
dias atuais isso caracteriza banalização e escárnio. Principalmente no que
tange aos que trabalham com isso,e aqui a crítica é voltada apenas aos péssimos
profissionais.Porque há os abnegados que lutam por melhores condições de
tratamento para quem sofre de transtornos mentais.
Nos
porões do Vera Cruz, desprezo pelos deficientes era condição ‘sine qua non’
para muitos pseudo profissionais. Enxergavam os internos como animais de laboratório.
Encaram sua rotina de trabalho como algo sofrível e,como tal,descontavam suas
frustrações em seres humanos cujo o crime maior que cometeram foi o de ‘não
conseguirem interagir sozinhos na sociedade’.
No lugar
de atenção, maus tratos. Ao invés de preocupação pelo bem estar dos
internos, tortura. Em vez de buscar melhorar as condições dos pacientes,
ausência completa de higiene e risco permanente com a segurança dos mesmos. Quando foi que essa letargia nos acometeu?
Na
reportagem corajosa e oportuna, o produtor do programa mostra os horrores
vividos por aqueles que vivem em estado de alienação, parcial ou total, e que
são explorados, gerando revolta em quem assiste. Por ser extremamente
escatológicas as imagens,me limito apenas a criticar.Mas o programa pode ser
visto na íntegra no Youtube.Quando foi
que a sociedade se tornou confortavelmente entorpecida?
Tamanho o
impacto do jornalístico que o Ministério Público ao receber a denúncia entrou
no caso e tomou as devidas providências. Isso é sinal que as coisas podem,e devem, mudar.
Em outra situação de descaso,o Ministério
Público (sempre o MP) requisitou a desinstitucionalização de pacientes
psiquiátricos abrigados irregularmente no Hospital de Custódia Heitor
Carrilho,no Rio.Dentre as denúncias : não há equipes de saúde mental para
implementar projetos terapêuticos,nem profissionais como psiquiatras e
psicólogos na unidade.O MPRJ exige ainda que a prefeitura e o governo estadual
apresentem cronogramas detalhados de projetos para os pacientes e cumprimento
das medidas propostas para remoção dos internos em condição.
Já há na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, projeto que criminaliza pessoas
por discriminarem deficientes mentais, inclusive aqueles que têm condição de reinserção social ou de doentes mentais em condição
de reabilitação, e buscam adentrar o mercado de trabalho.
Nem todos os lugares são encarados como
“depósito de loucos”. Muitas instituições tem por hábito respeitar os
deficientes de maneira a ajudá-los em seu retorno ao convívio familiar.Visitei
uma instituição em Americana (SP) em que era visível que os internos eram
tratados com dignidade.E para mim foi uma experiência maravilhosa interagir com
todos eles e com a equipe de profissionais sérios da unidade.
A chave para
que uma situação vexatória como a do Hospital Vera Cruz não se repita é o
respeito. Entender que as pessoas que lá estão precisam de apoio, ajuda,
atenção, de fraternidade. Como todos os seres humanos. Uma das perguntas
emblemáticas de Roberto Cabrini a um dos funcionários da instituição, que havia
sido flagrado tratando mal os internos, foi o que resumiu a situação: ”Você deixaria seu pai ser tratado aqui,
nestas condições?”. Ao fazer essa pergunta antes de maltratar um deficiente
mental, talvez muitas pessoas passassem a agir diferente.
QUANDO FOI QUE NOS ESQUECEMOS DE QUE
OS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA MENTAL SÃO GENTE COMO A GENTE?
fonte- Wikipedia / www.direitocapital.com.br
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