segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Lutar é preciso









Esse foto de James Meredith sendo baleado por um atirador de elite chamado Aubrey James Norvell valeu um Prêmio Pultizer.



James Meredith foi o primeiro afro-americano a se formar pela Universidade do Mississippi. A Universidade proibia a entrada de negros, mas uma decisão da Suprema Corte dos EUA havia proibido a segregação em escolas que recebessem verbas públicas. Mas Meredith e a equipe legal da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People, ou "Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor") sabiam que não basta mudar a lei, é preciso forçar a sua aplicação. Em 1961, Meredith tentou se matricular duas vezes na Universidade do Mississippi, sem sucesso, apesar de suas ótimas notas. O advogado contratado em seu nome pela NAACP, recorreu à Justiça alegando práticas segregacionistas, e o caso chegou à Suprema Corte.
O governador do Mississippi, Ross Barnett, estava disposto a impedir Meredith de se matricular, inclusive patrocinando um projeto de lei na assembléia legislativa do Mississippi feita sob encomenda para barrá-lo, mas o Ministro da Justiça dos EUA, Robert Kennedy, interveio com Barnett para impedi-lo de mudar a lei, que proibiria pessoas condenadas pelo Código Penal de Mississippi de entrarem em escolas estaduais (Meredith havia sido condenado por ser negro e pedir registro de eleitor, o que era proibido no Mississippi).



A Suprema Corte decidiu a favor de Meredith e no dia primeiro de outubro de 1962, ele fez História e entrou para a Universidade do Mississippi. Os brancos locais fizeram uma insurgência e o Presidente da República John F. Kennedy enviou 500 homens do Serviço Federal para conter a revolta, e para reforços chamou a Guarda Nacional, a Polícia do Exército, o 503o. Batalhão da Polícia Militar e a Patrulha da Fronteira. Duas pessoas morreram--inclusive um jornalista francês--e 160 agentes federais e 40 soldados e membros da Guarda Nacional foram feridos.



James Meredith superou o racismo dos colegas de universidade e se formou em ciência política. Aprofundou os estudos na Universidade de Ibadan na Nigéria. Voltou aos EUA em 1965 para participar do movimento pela aplicação da Lei do Direito ao Voto, daquele mesmo ano. No dia seis de junho de 1966, ele começou uma marcha solitária de Memphis, no Tennessee, para Jackson, no Mississippi, anunciando que pretendia se registrar como eleitor, como a nova lei permitia. Eram mais de 220 milhas que ele pretendia percorrer a pé para chamar a atenção da comunidade afro-americana e encorajá-la a enfrentar as ameaças-- inclusive de morte-- que sofriam toda vez que tentavam se registrar como eleitores. A certa altura da marcha ele próprio levou um tiro de Aubrey James Norvell. A sua agonia, registrada nas lentes de Jack R. Thornell numa foto que lhe valeria o Pulitzer no ano seguinte, ganhou as manchetes de todo o país e imediatamente a SCLC (Southern Christian Leadership Conference, ou "Conferência de Lideranças dos Cristãos do Sul") de Martin Luther King Jr. e a SNCC (Student Non-Violent Coordination Committee, ou "Comitê Não-Violento de Coordenação Estudantil) de Stokely Carmichael, bem como o Human Rights Medical Committee ("Comitê Médico de Direitos Humanos"), Cleveland Sellers e Floyd McKissick se juntaram à marcha para terminar o trajeto que Meredith começou. Com o tempo, pessoas de todo o país, negras e brancas, se juntaram à marcha, que ficou conhecida como Marcha Contra o Medo.



A Marcha Contra o Medo enfrentou vários obstáculos. Alimentados por mutirões e dormindo em acampamentos, seus integrantes ganharam as páginas dos jornais e viraram notícia internacional. Carmichael chegou a ser preso em 16 de junho, em Greenwood no Mississippi, por supostamente invadir propriedade pública; após algumas horas na cadeia ele voltou à marcha, que havia parado para fazer um comício, e nele fez seu célebre discurso "Black Power", que popularizou a expressão. Em Canton, no Mississippi, a polícia estadual atacou a marcha, inclusive com gás lacrimogênio, deixando dezenas de feridos, um em estado grave. Os feridos foram acolhidos pelas freiras de uma escola católica nos arredores.



James Meredith sobreviveu ao tiro e, como se não bastasse, recebeu alta do hospital a tempo de se juntar à Marcha Contra o Medo na véspera de sua chegada a Jackson, no dia 25 de junho. Naquela altura, a marcha já contava com 15 mil manifestantes. Eles foram recebidos por um show gratuito de James Brown. Pelo menos quatro mil eleitores negros do Mississippi foram direto da marcha para obter seu registro eleitoral.




James Meredith ainda está vivo e tem 83 anos. Um personagem feito de carne e osso e coragem o bastante para dar a cara à tapa e enfrentar o racismo. No processo, reuniu ao seu redor as forças sociais que fizeram dele o epicentro de dois episódios históricos na luta contra o racismo. Hoje, há uma estátua em sua homenagem na Universidade do Mississippi. 

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

As semelhanças entre 1964 e o atual momento do Brasil




Em 1964, o presidente João Goulart foi deposto acusado de querer implementar o comunismo. O motivo eram as chamadas Reformas de Base. Todos já escutaram falar delas. Mas vc sabe o que elas significavam na prática? Abaixo uma explicação rápida sobre cada uma delas. Deixei a Reforma Agrária de fora, por ser a mais polêmica, para discutir melhor num post futuro.



Reforma Eleitoral tinha a difícil tarefa de aprofundar a democracia e o sistema representativo. O Brasil contava, nessa época, 80 milhões de habitantes, sendo que apenas 15 milhões eram eleitores. Essa desproporção fazia com que o Congresso Nacional não refletisse a composição social brasileira. Os parlamentares, em sua maioria fazendeiros e empresários, não votariam as reformas que contrariavam seus interesses. O objetivo da Reforma eleitoral era, portanto, aumentar a participação política do homem pobre e ampliar os direitos políticos, principalmente dos analfabetos.



Reforma Administrada pretendia modernizar a gestão pública. Segundo seus defensores, a emancipação econômica da nação seria realizada pelo fortalecimento do poder público. A iniciativa privada não teria recursos para resolver os problemas crônicos do país. A Reforma Administrativa, então, propunha a criação de superintendências especializadas, como, por exemplo, Superintendência de Urbanização e Saneamento (Sursan) e a Superintendência da Reforma Agrária (Supra), para cuidar dessas questões.






A Reforma Tributária. Se o Estado seria o principal investidor, naturalmente seria preciso mais recursos. O governo estava incorrendo em seguidos déficits fiscais e atingira o limite. O sistema tributário brasileiro era regressivo, ou seja, taxava muito o consumo e pouco a renda. Os encargos acabavam caindo nas costas dos trabalhadores pobres. Esse modelo, no fim das contas, acabava por aumentar as disparidades sociais. A Reforma Tributária pretendia, portanto, combater a sonegação, aumentar os impostos diretos (sobre os lucros e a renda) e desonerar os impostos indiretos (sobre o consumo). Esse deslocando permitira um sistema tributário progressivo, que agisse no sentido de atenuar as desigualdades sociais.



A Reforma Urbana era resultado de uma constatação: as cidades estavam crescendo de forma desordenada. Havia segundo dados da época, 40.000 imóveis desocupados para fins meramente especulativos. A especulação imobiliária, além de aumentar a miséria e o número de pessoas sem habitação, agia no sentido de estimular a inflação. A Reforma Urbana, portanto, seria a Reforma Agrária da cidade. Em ambos os casos, o objetivo era democratizar o acesso à propriedade.
A Reforma Bancária permitira o investimento privado, o capital nacional. Ora, se o objetivo da distribuição de renda era expandir o mercado para estimular a demanda e o investimento,



Reforma Bancária teria a função de unir essas duas pontas, ou seja, ela permitiria o investimento privado a uma taxa de juros compatíveis com a capacidade de pagamento dos tomadores de empréstimos, como forma de suprir o aumento da demanda por bens de consumo. Gerando mais empregos, mais renda, mais consumo e mais investimentos.



Reforma Cambial. Um dos problemas apontados pelo pensamento estruturalista era a chamada deterioração dos termos de troca. Os países atrasados, subdesenvolvidos, exportariam matéria prima, que tenderiam a perder valor, em troca de produtos manufaturados, que tenderiam a valorização.
A queda acentuada do preço do café parecia corroborar essa tese. A Reforma Cambial visava controlar o valor da moeda nacional, de modo a dificultar a importação de bens supérfluos e canalizar esse capital para o investimento produtivo.




Reforma Universitária. Seria a responsável por modernizar o ensino superior. Segundo Corbisier, enquanto os advogados “floresciam como cogumelos”, faltavam profissionais capacitados em outras áreas essenciais para o crescimento econômico, como a engenharia. O motivo, segundo o mesmo autor, é que o ensino tradicional buscava formar homens que conhecem de “leis” e, desse modo, seriam manipulados por um pequeno grupo e passariam a defender a “propriedade e os interesses dos privilegiados” (CORBISIER, pg 168, 2006). Interessante que o autor cita a carência no ensino básico, porém, não propõe nenhuma solução, focando apenas no ensino superior.