Inspiração – Sérgio Muniz
O precursor do esquadrão da morte tinha suas peculiaridades
quando se tratava de combater os “subversivos”. Nunca houve diálogo, só
brutalidade. Havia uma sensação de invencibilidade por parte do delegado mais influente
do período militar. Maliciosamente chamado de "O Papa", tinha em Fininho seu principal parceiro --Fininho, que tinha em um chaveiro, uma orelha, arrancada de uma de suas vítimas, que ele ostentava com rompantes de alegria.
Dentre seus métodos perversos: violentou uma menina de 11
anos (Eloísa Cristina, filha de Nair Cristina); Lindalva, uma assistente social
ligada a arquidiocese de São Paulo, que teve seu corpo perfurado por cinco
tiros, seu seio direito arrancado, cortes por todo o corpo com uma gilete, marcas
de agressão por todo o corpo, além das marcas das algemas; amputação de membros, quando o interrogado se recusava a cooperar.
Demonstrava seu eterno racismo ao se referir às suas
vítimas, como “negro vagabundo” ou “Paraíba,morre quieto”.
Houve outros casos
constrangedores.
Há quarenta anos, ocorria, em São Paulo, uma situação típica do
esquadrão. Fleury, que chegou a receber a
Medalha do Pacificador (acredite!), dada pelo Exército, e um diploma de Amigo
da Marinha, condecoração da Pasta naval. Herói do regime do AI-5, Fleury ganhou
a condição de personalidade inatacável, graças a seu empenho na caça de
opositores do governo, que eram submetidos a torturas nos porões do aparelho de
repressão. Acusado de envolvimento com quadrilhas que promoviam o tráfico de
drogas, Fleury parecia ostentar uma situação privilegiada, daquelas que
transformam uma pessoa numa fortaleza de impunidade.
Foi então que, no rastro de investigações a respeito do Esquadrão
da Morte, o procurador Hélio Bicudo deu com o assassinato de um bandido chamado
"Nego Sete" - dali, chegou em Fleury. Foi em 1968, quando Bicudo
iniciou seu processo, pelo qual sofreu perseguição atroz. Crime que o delegado sempre negou.
Algumas das táticas
eram: desfigurar o cadáver para não ser identificado ( no caso dos
guerrilheiros do Araguaia, jogaram os corpos juntos com pneus e atearam fogo),
alvejar o morto com vários tiros, para que na autópsia não se descobrisse
quem atirou primeiro. As torturas contra mulheres grávidas, tendo seus órgãos
genitais severamente machucados era praxe, também. E, é claro, o Capitão Lamarca, que para ele foi o maior troféu.
( Lamarca e um companheiro de luta)
O DOPS tinha, inclusive, um coveiro oficial: Alcides Cintra, indicado por Romeu Tuma que, ao contrário de Fleury, sempre conseguiu camuflar sua participação ativa nos meandros do DOI-CODI.
Enquanto isso, a seleção brasileira cuidava de distrair,
convenientemente, os 90 milhões em ação, jogando a Copa de 70. Com certeza,
Sérgio Paranhos Fleury torcia para a seleção canarinho vencer a Copa, já que
isso abriria caminho para um nacionalismo exacerbado e alienante, ajudando em
seus “negócios” (tráfico e consumo de drogas, corrupção, abuso de autoridade, tráfico de influência, participação de esquemas que visavam forjar exames para aprovar colegas, lavagem de dinheiro, assassinatos, torturas, mutilações,
etc).
Paradoxalmente, nas dependências do DOI-CODI era possível
ler:
OBEDIÊNCIA
ORDEM
DEVOÇÃO
HONRADEZ
AMOR à PÁTRIA
São as etapas que
levam à liberdade
Em 1971, o produto interno bruto cresceu 9%. Mas somente 18%
da população sentia seus efeitos; os
demais sentiam o arrocho salarial vendo o capital internacional vir apenas
explorar e acumular.
Alheio a isso, Fleury
e sua gang continuavam com sua sangrenta repressão policial, apoiados pela
sociedade conservadora que dava respaldo à existência do Esquadrão.
E não estavam sós. O CCC (Comando de Caça aos Comunistas), a
TFP (Tradição Família e Propriedade) eram apenas algumas das instituições que
apoiavam de maneira contundente (com perseguições e delações) o governo
militar.
Fleury, Fininho,
Alberto Barbour e Cia se sentiam como reis. Seus métodos recrudesciam e, não
obstante o maciço apoio inicial da classe média, da Igreja Católica e de boa
parte da imprensa, freiras e padres (como o Reverendo Giulio, de SP), filhos de famílias abastadas e muitos
jornalistas entraram para a lista de “ subversivos”. Isso significava mais
alvos em potencial. Só aí, os idiotas de plantão, que saudaram o regime como algo libertador (!!) perceberam a arapuca em que se meteram. Um pouco tarde para tamanha epifania.
O presidente americano Richard Nixon, outro celerado, além do apoio logístico (mandava homens da
CIA para ensinar técnicas de tortura), também cedia armas aos bandidos travestidos de
policias.
Fleury era um homem
de hábitos. Passava pelo DOPS quase todos os dias às 5, onde estavam
encarcerados os suspeitos de sempre, escolhia algumas vítimas, os fuzilava na
estrada e os jogava numa quebrada qualquer. Costumava dizer aos detentos: “Você dá um presunto legal”.
(sua última foto)
O delegado-mor do esquadrão se dizia católico e afirmava dar
“orientação cristã” aos filhos. Que gratificante da parte de alguém que de
católico deve ter aprendido bem as táticas de tortura da Inquisição.
Seu assassinato, quer dizer, seu conveniente acidente em
Ilha Bela (foi passar de uma lancha ancorada para outra, escorregou, caiu,
bateu a cabeça e morreu afogado) deu às Forças Armadas o devido sossego em dias
turbulentos que se avizinhavam: a “abertura, lenta gradual e irrestrita”,
onde o ex delegado poderia,
eventualmente, causar embaraços. Também causa estranheza que não se tenha realizada uma autópsia. Mas não causa nenhum espanto que tanto o Bradesco, quanto Folha de SP tenham mandado flores ao enterro, afinal, ambas as empresas apoiaram indiscriminadamente as ações do delegado homicida.
Como bem descreveu Percival de Souza em seu fantástico livro "A Autópsia do Medo" : "Fleury representava a personificação da violência de um sistema arbitrário".
Como bem descreveu Percival de Souza em seu fantástico livro "A Autópsia do Medo" : "Fleury representava a personificação da violência de um sistema arbitrário".
Mas foi uma das marionetes mais úteis do regime.
Ainda existem pessoas que defendem a ditadura militar, até mesmo o jornalista gaúcho Luis Carlos Prates, que possui opiniões interessantes, mas que, infelizmente, disse que naquele tempo não havia criminalidade e ele exercia sua profissão sem restrições...Claro que essa opinião tem um alcance restrito...Não podemos nos centralizar somente em nós mesmos, senão a coisa fica parecendo conversa de comadre e não uma matéria jornalistica....Não dá pra ser a favor de um regime onde a a lei e a ordem eram mantidas pelo medo, restringindo todos os direitos constitucionais....Apoiando o regime, está justificando suas carnificinas, dizendo que elas valeram a pena....Um tremendo descuido por parte desse jornalista...
ResponderExcluirMas deixando isso de lado, naquela época eram muitos os facínoras covardes iguais a esse, com problemas mentais e de ereção, ...Qualquer regime que dá a um sujeito desses plenos poderes pra usar suas insanidades, é tão louco quanto ele...quem apoia a ditadura, querendo ou não, apoia esses vermes...
Abração
Apoio 100% seu comentário, Marcos. Pena que muitas pessoas nas redes sociais, desencantadas com o cenário político atual, confundem as coisas e remetem seus comentários alienados àquele período nefasto, como se fosse uma tábua de salvação. Eu respeito opiniões diversas, mas qdo alguém defende a ditadura, fico puto! Assino embaixo do seu comentário lúcido e preciso, como sempre. Seja bem vindo de volta, meu amigo. Se for recriar o seu blog coletivo (OPINIÃO HUMANISTA) me avisa, valeu? Um abraço
ExcluirFoi uma época terrível. Eu me lembro que, na escola, não podíamos questionar determinados assuntos. A professora chamava no canto e dizia baixinho: "não faça isto, não fale aquilo!" Era a personificação do medo.
ResponderExcluirJá li vários artigos que abordam as atrocidades desta época. Em um deles dizia que o CCC dopava as pessoas, as colocavam em um avião e, em pleno alto mar, as atiravam lá de cima. Lembro do reboliço que deu na rua quando um sujeito soltou o cachorro em um cara do TFP. Ele corria com aquela bandeira vermelha desesperadamente, enquanto pelas gretas da janela, os adultos torciam para aquela turma não voltar mais.
Medici, Geisel e Figueiredo. Eu tinha medo destes caras como se tem medo de assombrações, fantasmas e capetas.
Valéria
Pois é Valéria, concordo com vc. Estas figuras execráveis assustavam com sua postura truculenta e os desmandos. Liberdade e democracia para eles eram uma berração. E Fleury era o arauto dos militares, fazendo o serviço sujo, inclusive fazendo o papel de bandido. Por isso os alienados de plantão dizem que naquela época não havia criminosos. Claro, pois os verdadeiros usavam distintivos para traficar, lavar dinheiro assassinar, tudo em nome do país. Espero que esse período nunca seja esquecido. Obrigado pelo seu comentário.Um abraço
Excluir