(Dedicado a uma grande amiga...)
No mês em
que, supostamente, se comemora o dia Internacional das mulheres, a Lei Maria da
Penha continua servindo mais como propaganda governamental, que usou o nome de
uma vítima da brutalidade masculina, para dar uma satisfação à sociedade. Mas na
prática, não é assim.
Cristina
(nome fictício, para preservar a pessoa de retaliações) é uma lutadora. Mulher
independente, que vai a luta, inteligente (escritora talentosa) já viveu dias
de tormenta.
Vítima de um
marido opressor (o estereótipo do homem inseguro ao extremo), que praticava outro tipo de agressão, a psicológica, Cristina enfrentava a primeira de
muitas batalhas. Quando um marido grita com sua companheira, o estrago é maior
do que se possa imaginar. Sempre há sequelas. Uma delas é fim do sentimento
dela por ele. Outra é o trauma de perder a confiança em si mesma.
Requer
coragem para tomar atitude e se desvencilhar de casamentos em um país
majoritariamente católico, onde o divórcio é visto como doença contagiosa. E
contrariando sua família (o melhor estilo do chamado “fogo amigo”) colocou um
fim em algo que a vilipendiava. Se um homem tenta controlar com mão de ferro,
gritando e impondo sanções, o que virá depois? Pois Cristina, sabiamente, não
quis esperar e resolveu que era hora de ser feliz novamente. Tal qual a música de Ivan Lins, imortalizada por Simone: “Começar de Novo”.
Mas a
agressão veio mesmo de dentro do círculo familiar. Um irmão, tresloucado, que
acredita ter poder ilimitado, foi o precursor da infâmia. Aqui cabe um
parêntese para refletir sobre a psiquê masculina. Tendo em mente a velha frase
carcomida pelo tempo e sem fundamentação lógica, de que a mulher é o sexo
“frágil”, um homem, tecnicamente mais forte batendo em alguém que deveria
receber carinho e respeito, mostra o tamanho da desonra. De uma ignomínia sem
tamanho.
Cristina fez
a denúncia, na esperança que houvesse uma justa punição. E aqui entra a segunda
falácia do sistema que, teoricamente, visa proteger o sexo feminino: as
Delegacias da Mulher, muitas vezes tem HOMENS atuando, constrangendo ainda mais
as vítimas.
São
inevitáveis os risinhos irônicos por parte dos boçais, travestidos de
delegados. Como numa confraria de pares que se juntam para caçoar do sexo
oposto. Mais infantil impossível.
Ela, a
vítima, teve a família contrária a decisão de denunciar (claro, seria mais
lógico continuar sendo agredida), um irmão que saiu impune, já que o processo
foi arquivado e sua vida mudada para sempre.
O sistema
diz que a vítima a agressão deve denunciar. E quando ela o faz é abandonada
pelo próprio sistema. Uma das contradições de nossa sociedade, pretensamente,
evoluída.
A
mentalidade medieval de parte da sociedade, que é conivente com esse absurdo dá
ao homem a sensação de inimputabilidade.
Qual o
sentido prático de uma lei que, teoricamente, condena agressões contra as
mulheres, sendo que o agressor escapa da prisão, usando as brechas do código
penal? Pois se ele tiver um emprego com carteira assinada, residência fixa,
tiver bons antecedentes poderá escapar da punição com pagamento ao equivalente
a uma cesta básica. Eis o avanço da sociedade moderna: quantificaram a vida de uma mulher.
Esses absurdos são fruto,
muitas vezes de atavismos religiosos, onde as mulheres eram, propositalmente,
rebaixadas por clérigos que se apoiavam em livros “sagrados” (não há santidade
alguma em brutalizar mulheres) , afirmando que era desígnio de deus.
Em muitos
países há o estupro coletivo, o apedrejamento em praça pública, a acusação de
adultério apenas para as mulheres e nunca para os homens e o cerceamento da
liberdade, inclusive de denunciar seus agressores.
Mas o protesto
é tudo que resta para as mulheres como Cristina, vítimas de desrespeito e
violência (física ou não).
Mulheres que
gritam aos quatro cantos “BASTA!” são as que tentam mudar o estado de coisas,
quebrar o estado repressivo que vez ou outra ainda remonta a idade medieval,
onde havia a fogueira para aquelas consideradas bruxas. Tudo em nome de uma
divindade, seja ela quem for.
(Mukhtar Mai)
Mulheres
como Mukhtar Mai, a paquistanesa que ganhou
notoriedade internacional devido a sua reação ao estupro coletivo sofrido por
ordem de uma corte tribal , e que ousou
protestar, processando o governo do Paquistão pela agressão consensual, por
parte do executivo. Sua tarefa inglória a levou até a ONU, onde faria um
pronunciamento corajoso, mesmo sendo boicotada de última hora pelos
representantes paquistaneses presentes na Assembleia. Seu sofrimento chamou a
atenção do mundo, o dinheiro ganho com o processo foi revertido para manter
escolas para meninas no Paquistão (em países primitivos, mulheres são mais
convenientes se mantidas ignorantes) e fez com que esse assunto entrasse na
discussão da política interna de seu país. Link AQUI
Mas é um árduo caminho. A agressão , a agonia, passando
pelas feridas emocionais até a eventual condenação daqueles que barbarizaram com as mulheres...É um caminho muito tortuoso para alguém que é vítima duas vezes:
do celerado que a agrediu e do sistema que a ignora. Se fosse o contrário,
teria o homem sangue frio o suficiente para aguentar dor, humilhações, sofrimento e
espancamentos sem retaliações? Difícil. Para um ser que tem conflito em seu
DNA, seria complicado esquecer os traumas, sem retaliar.
Basta apenas que o marido, o companheiro ou namorado se
coloque no lugar da mulher e pense: e se fosse comigo?
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Olá Marcelo,gostei muito da sua matéria.
ResponderExcluirPois só se sabe a dor de uma agressão, quem passa por ela.
A questão não é só a dor física, mas também a psicológica.
Isso deveria ser repensado melhor,pois acaba com a vida de uma mulher...A auto-estima de uma mulher.
E aqueles que deveriam defender a mulher. Na hora da denúncia feita, é feito um total descaso.Com ironias,como o que está se passando com a vítima fosse uma brincadeira.
É ridículo a atitude desses.
Seria muito bom se todos pensassem assim.
Parabéns pela ótima matéria.
Obrigado Sophie. Oxalá todos os homens inseguros e frágeis emocionalmente pudessem rever seus conceitos de como tratar as mulheres. Garanto que esse quadro mudaria sensivelmente. Um abraço
ExcluirOlá meu querido amigo Marcelo,
ResponderExcluira violência fere muito além do que a parte física de uma pessoa, ela causa feridas que nunca vão cicatrizar, são as feridas da alma,que podem até ficar camufladas, mas curadas, não.
Uma mulher que sofre violência desenvolve dificuldade nos relacionamentos, pois ela acha que todos os homens que se aproximam dela vão fazer a mesma coisa.
O íntimo fica abalado, a auto estima desaparece e ela perde a confiança em si mesma, como você mesmo disse.
Toda mulher só quer ser tratada com carinho e respeito, quer atenção, quer ser cuidada. A mulher tem por instinto o hábito de querer cuidar, de transmitir amor, carinho e afeto...mas quer que esse sentimento seja recíproco, enfim, é só isso que nós queremos.
Seu texto está impecável, eu só posso mesmo é aplaudir por tamanha inteligência e sensibilidade para abordar um tema tão difícil.
Um forte abraço meu amigo, e tenha um bom domingo.
Minha amiga Claudia, mais uma vez, obrigado por seu incondicional apoio. Obrigado por ajudar a divulgar o blog e por seus cometários. Um grande abraço, Claudinha.
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