Na
volta para casa, na hora do rush, a barriga de nove meses da operadora de caixa
Josy de Sousa Santos, de 30 anos, vai espremida entre os passageiros do metrô
que liga Brasília a Ceilândia, na periferia da capital. Josy, assim como outras
gestantes, mulheres com bebê no colo, idosos e pessoas com deficiência, tem
direito a um assento especial em transporte público. É o que diz a Lei Federal
no 10.048, em vigor desde 2000. No aperto do trem, porém, são poucas as pessoas
que cedem o lugar especial à grávida. Josy não reclama. “Não peço, não gosto de
incomodar nem de criar confusão”, diz. Nesse mesmo metrô, até dois anos atrás,
o aposentado Antônio Alves Barbosa, de 76 anos, queixava-se quando não lhe
cediam o espaço reservado para idosos. Depois que um jovem o agrediu
verbalmente, desistiu de reclamar. “Ele disse que velho tinha de morrer”,
afirma Barbosa.
Não se trata de um problema exclusivo do metrô de Brasília. O
brasileiro não tem o hábito de protestar no cotidiano. A corrupção dos
políticos, o aumento de impostos, o descaso nos hospitais, as filas imensas nos
bancos e a violência diária só levam a população às ruas em circunstâncias
excepcionais. Por que isso acontece? A resposta a tanta passividade pode estar
em um estudo de Fábio Iglesias, doutor em Psicologia e pesquisador da
Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, o brasileiro é protagonista do
fenômeno “ignorância pluralística”, termo cunhado pela primeira vez em 1924
pelo americano Floyd Alport, pioneiro da psicologia social moderna.
“Esse
comportamento ocorre quando um cidadão age de acordo com aquilo que os outros
pensam, e não por aquilo que ele acha correto fazer. Essas pessoas pensam
assim: se o outro não faz, por que eu vou fazer?”, diz Iglesias. O problema é
que, se ninguém diz nada e consequentemente nada é feito, o desejo coletivo é
sufocado. O brasileiro, de acordo com Iglesias, tem necessidade de pertencer a
um grupo. “Ele não fala sobre si mesmo sem falar do grupo a que pertence.”
Iglesias começou sua pesquisa com filas de espera. Ele observou
as reações das pessoas em bancos, cinemas e restaurantes. Quando alguém fura a
fila, a maioria finge que não vê. O comportamento-padrão é cordial e pacífico.
Durante dois meses, ele analisou o pico do almoço num restaurante coletivo de
Brasília. Houve 57 “furadas de fila”. “Entravam como quem não quer nada,
falando ao celular ou cumprimentando alguém. A reação das pessoas era olhar
para o teto, fugir do olhar dos outros”, afirma. O aeroviário carioca Sandro
Leal, de 29 anos, admite que não reage quando vê alguém furar a fila no banco.
“Fico esperando que alguém faça alguma coisa. Ninguém quer bancar o chato”,
diz.
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Iglesias dá outro exemplo comum de ignorância pluralística:
“Quando, na sala de aula, o professor pergunta se todos entenderam, é raro
alguém levantar a mão dizendo que está com dúvidas”, afirma. Ninguém quer se
destacar, ocorrendo o que se chama “difusão da responsabilidade”, o que leva à
inércia.
Mesmo quem sofre uma série de prejuízos não abre a boca. É o
caso da professora carioca Maria Luzia Boulier, de 58 anos. Ela já comprou uma
enciclopédia em que faltava um volume; pagou compras no cartão de crédito que
jamais fez; e adquiriu, pela internet, uma esteira ergométrica defeituosa.
Maria Luzia reclamou apenas neste último caso. Durante alguns dias, ligou para
a empresa. Não obteve resposta. Foi ao Procon, mas, depois de uma espera de 40
minutos, desistiu de dar queixa. “Sou preguiçosa. Sei que na maioria das vezes
reclamar não adianta nada”, afirma.
O
“não-vai-dar-em-na-da” é um discurso comum entre os “não-reclamantes”. O
estudante de Artes Plásticas Solano Guedes, de 25 anos, diz que evita se
envolver em qualquer situação pública. “Sou omisso, sim, como todo brasileiro.
Já vi brigas na rua, gente tentando arrombar carro. Mas nunca denuncio. É uma
mistura de medo e falta de credibilidade nas autoridades”, afirma.
A apatia diante de um escândalo público também é freqüente no
Brasil. Nas décadas de 80 e 90, o contador brasiliense Honório Bispo saiu às
ruas para lutar pelas Diretas Já e pelo impeachment do ex-presidente Fernando
Collor. No mês passado, quando o plenário do Senado realizou uma sessão secreta
para julgar o presidente da casa, Renan Calheiros, o contador tentou reunir
alguns colegas para uma manifestação em frente ao Congresso Nacional. Poucos
compareceram. Depois disso, Bispo disse que ficou desestimulado. “Os movimentos
estudantis não se mobilizam mais. A UNE sumiu”, diz, referindo-se à outrora
influente União Nacional dos Estudantes.
O
estudo da UnB constatou que a “cultura do silêncio” também acontece em outros
países. “Portugal, Espanha e parte da Itália são coletivistas como o Brasil”,
afirma o psicólogo. Em nações mais individualistas, como em certos países
europeus, os Estados Unidos e a vizinha Argentina, o que conta é o que cada um
pensa. “As ações são baseadas na auto-referência”, diz o estudo. Nos centros de
Buenos Aires e Paris, é comum ver marchas e protestos diários dos moradores. A
mídia pode agir como um desencadeador de reclamações, principalmente nas
situações de política pública. “Se o cidadão vê na mídia o que ele tem vontade
de falar, conclui que não está isolado”, afirma o pesquisador.
O antropólogo Roberto DaMatta diz que não se pode dissociar o
comportamento omisso dos brasileiros da prática do “jeitinho”. Para ele, o fato
de o povo não lutar por seus direitos, em maior ou menor grau, também pode ser
explicado pelas pequenas infrações que a maioria comete no dia-a-dia. “Molhar a
mão” do guarda para fugir da multa, estacionar nas vagas para deficientes ou
driblar o engarrafamento ao usar o acostamento das estradas são práticas comuns
e fazem o brasileiro achar que não tem moral para reclamar do político
corrupto. “Existe um elo entre todos esses comportamentos. Uma sociedade de
rabo preso não pode ser uma sociedade de protesto”, diz o antropólogo.
O sociólogo Pedro Demo, autor do livro Cidadania Pequena s (ed.
Autores Associados), diz que há baixíssimos índices de organização da sociedade
civil – decorrentes, em boa parte, dos também baixos índices educacionais. Em
seu livro, que tem base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o sociólogo conclui que o brasileiro até se mobiliza em
algumas questões, mas não dá continuidade a elas e não vê a importância de se
aprofundar. Um exemplo é o racionamento de energia ocorrido há cinco anos:
rapidamente as pessoas compreenderam a necessidade de economizar. Passada a
urgência, não se importaram com as razões que levaram à crise. Para o
sociólogo, além de toda a conjuntura atual, há o fator histórico: a colonização
portuguesa voltada para a exploração e a independência declarada de cima para
baixo, por dom Pedro I, príncipe regente da metrópole. “Historicamente
aprendemos a esperar que a decisão venha de fora. Ainda nos falta a noção do
bem comum. Acredito que, ao longo do tempo, não tivemos lutas suficientes para
formá-la”, diz Demo.
A
historiadora e cientista política Isabel Lustosa, autora da biografia Dom Pedro
I, um Herói sem Nenhum Caráter (ed. Companhia das Letras), acredita que os
brasileiros reclamam, sim, mas têm dificuldades de levar adiante esses
protestos sob a forma de organizações civis. “Nas filas ou mesas de bar, as
pessoas estão falando mal dos políticos. As seções de leitores de jornais e
revistas estão repletas de cartas de protesto. Mas existe uma espécie de fadiga
em relação aos resultados das reclamações, especialmente no que diz respeito à
política.” Segundo Isabel, quem mais sofre com a falta de condições para
reclamar é a população de baixa renda. Diante da deterioração dos serviços de
educação e saúde, o povo fica sem voz. “Esses serviços estão pulverizados. Seus
usuários não moram em suas cercanias. A possibilidade de mobilização também se
pulveriza”, diz.
Apesar das explicações diversas sobre o comportamento passivo
dos brasileiros, os estudiosos concordam num ponto: nas filas de espera, nos
direitos do consumidor ou na fiscalização da democracia, é preciso agir
individualmente e de acordo com a própria consciência. “Isso evita a chamada
espiral do silêncio”, diz o pesquisador Iglesias. O primeiro passo para a
mudança é abrir a boca.
link original AQUI.
Amigo Marcelo, esse post é muito bom, deveria ser lido por todos pra que as pessoas fizessem uma reflexão. Eu trabalhei com militância politica durante anos, e em organizações mundiais, e comparava a militância aqui com vários países da América latina, Argentina, Colômbia etc...E o problema maior, na minha opinião, é que o Brasileiro não é individualista, não tem opinião própria, tem medo de não ser aceito pelo grupo, e é educado pra ir pela vontade da maioria, fica repetindo o que os "líderes" dizem em vez de ler a própria cartilha e tirar suas próprias conclusões.
ResponderExcluirBrasileiro não amadurece, parece uma eterna criança...isso porque foi educado pra obedecer não pra pensar. Trabalha pra ter dinheiro e poder ir pra praia no final de semana, mas não avalia seu desempenho no trabalho, nem importância ao que faz na empresa. Só sabe reclamar que ganha pouco, mas não reivindica melhores salários e nem desafia a autoridade, porque acha que isso é coisa de comunista ou socialista arruaceiro, mas adora fazer um barraquinho por coisas idiotas...
Grande parte não sabe interpretar um texto. E o pior: em vez de resolver do jeito certo, tenta resolver tudo na malandragem...Brasileiro é carente e quer se sentir amado num grupo e acaba reproduzindo o que o grupo diz...Não está acostumado com a rejeição...tem que aprender a falar F#da-se!!!!
Em vez de pegar um jornal e ler, usa pra embrulhar banana...Aqui mesmo tem exemplos, em vez de ler o post, ( tentando resolver na malandragem ) lê só o titulo e depois comenta...principalmente quando ele é extenso. Se não tem um líder que manda, nada acontece...Acredita em tudo que vê na tv como e fosse verdade...Não consegue ver as terríveis idiotices de roteiros pedechulé das novelas, as manipulações dos jogos de futebol, votam nos piores cretinos no mundo porque faz parte de uma legenda conhecida.
Embora isso esteja mudando, porque existem hoje pessoas independentes que ganharam um espaço na mídia virtual, podendo agora se expressar sem receio a um grande público, coisa que sempre lhes foi negada, ainda há pessoas que só reproduzem o que a grande mídia diz, com o intuito apenas de ser amado, em vez de reproduzir e dar sua opinião doa a quem doer...
A educação tem sua parcela de culpa, mas quem é responsável por ela somos nós...
abração
Olha, Marcão, como sempre assino embaixo do seu comentário. Pra não se destacar na multidão o brasileiro segue o chamado "efeito manada": pra onde uns vão, vai também, para não chamar atenção. Isso é um erro crasso. Prova de atraso. Tem prioridades e não são as mais sensatas. E assim caminha nossa pátria amada...Um abraço
ExcluirMuito legal seu blog Marcelão sucesso pra vc ja estou te seguindo e claro pode me visitar muitas vezes pois vc é sempre be mvindo aos meus blogs e espero por seus comentarios tbm acessa aí
ResponderExcluirhttp://juniorcis.blogspot.com
http://junior-juniorcis.blogspot.com
grato
junior