quarta-feira, 4 de julho de 2012

Memórias de uma mente criminosa (Ou a visão de um empresário brasileiro sobre o mundo que o cerca)



“Eu sou um empresário. Melhor, sou um megaempresário. Prefiro essa alcunha. Faz com que me sinta ainda mais imbatível. Quem poderia contestar a mim,um MEGAempresário? Ninguém.

Eu tenho milhares de escravos a meu dispor,a fazer tudo que ordeno,sem espaço para contestação. OK,OK, não posso chamá-lo de escravos em público.Eu sei. Para a sociedade eu os chamo de “meus funcionários”. Demonstro ter consideração por eles, digo à  mídia que o seu bem estar  está em primeiro lugar, que minha empresa (minha MEGAempresa) faz de tudo para que eles se sintam em família,que lhes cerco de atenção e benefícios,dando a entender que todos são importantes pra mim. Há!! Adoro repetir isso em público. Ninguém faz ideia do quão sarcástico eu sou ao dizer isso. 

Benefícios para meus empregados...Concedo apenas aquilo que a lei me obriga, nada além disso. Até o intervalo e o descanso devem ser restritos.Dou os parcos benefícios que devem ser concedidos, principalmente se posso obter isenções e/ou benefícios com eles (pra mim, uniforme é benefício SIM, vale transporte,também; nada além disso deveria ser fornecido; talvez até menos,mas quem sabe as coisas mudam, no futuro, se eu e meus pares resolvermos pressionar nossos apadrinhados no Congresso).  

Pago apenas e tão somente o  piso salarial acertado previamente com o sindicato. Ah,os sindicalistas... Adoro a visão que muitos tem deles...Uma visão romântica, devo admitir, de que alguém que veio de baixo (do povão) sabe muito bem da agruras do trabalhador e, portanto, fará de tudo para trazer justiça à categoria. Hahahahahaha! Sério? Vir de baixo os faz paladinos da moral e dos bons costumes?? Muitas vezes são os mais fáceis de corromper! Talvez por terem vindo de baixo...não sei. Mas conheço muitos (não todos) que se vendem por muito menos do que eu estaria disposto a pagar. Pelo ego. Principalmente os que tem ambições políticas (praticamente todos). Com estes eu mantenho uma relação ,digamos, MUITO próxima durante toda sua vida política.

Adoro quando sou procurado por candidatos querendo dinheiro e me vendendo um “projeto de poder”. Como se eu dependesse deles para exercer ou executar um plano de poder. Eu tenho muito poder, APESAR deles, e não graças a eles. Não me entenda mal. Políticos são importantes no meu dia a dia, mas alguns tornam a vida um pouco desagradável, exatamente por querer demais. Político bom sabe quando parar e quando voltar pra buscar mais. Nesse ponto os veteranos de guerra, vulgarmente chamados de coronéis, são dignos de louvor, pois sabem como  ter vida longa e nunca ser pegos.

Como idolatro o processo eleitoral brasileiro...É quando eu posso assistir a barganha. Os candidatos vão à televisão pedir o “voto” para os eleitores incautos (como se eles decidissem alguma coisa no MEU país...), mas não sem antes passar por meu escritório e me pedir a “benção”. Se eu decidir que sim, o dinheiro é emprestado. Sim, porque o que me interessa são as licitações do futuro governo. Algo que seja líquido e certo. Por isso sou extremamente seletivo na escolha de quem vou “apoiar”. Não entro pra perder. Lucro nunca é demais. Consigo muito com obras governamentais. Se puder, peço empréstimos ao BNDES para concluir as obras que, é claro,não pagarei sob nenhuma circunstância.

Procuro cultivar uma imagem de filantropo, ajudando e  visitando instituições de pessoas repugnantes. Causa-me asco ter contato com crianças órfãs, ou velhos decrépitos, mas ei! faz muito bem para os negócios, já que meus acionistas apreciam esse tipo de bobagem pública!

Aprendi a “fazer média” tanto com a mídia, quanto o populacho. Lançar livros, participar de eventos, conceder entrevistas para pessoas de confiança e escolhidas a dedo, que saibam jogar meu jogo, enaltecendo minhas obras e evitando meus deslizes, perguntando apenas o que eu quero. Mas caso haja um jornalistinha comunista dado a fazer perguntas indesejáveis, é evidente que serei obrigado a ligar para o dono da emissora ou do veículo de comunicação para qual o infeliz trabalha e pedir sua cabeça. Isso é muito fácil, já que conheço TODOS os proprietários de grandes mídias e todos me devem favores, principalmente quando me convidam para suas festinhas de inauguração de edifícios e sucursais ou afiliadas. Faz bem para eles ter um “formador de opinião” no evento, principalmente que saiba discursar. A cada solenidade destas, eu coloco na minha lista de “devedores” mais empresários, outrora jornalistas. E ainda dizem que a imprensa é “crítica, imparcial e investigativa”...Claro...Vamos dizer que seja.

Sou assim e ajo desta forma há décadas, erigindo meu império a passos largos e de maneira calculada. Tudo o que fiz para chegar até aqui foi nas sombras, sem rastro e sem a menor suspeita. Nada escapa a minha atenção e tudo o que acontece de relevante no país, tem que ter minha anuência. Este é o jeito que criei para mim e que deu certo; em breve meus filhos seguirão meus passos. Agora é fácil. Já lhes mostrei o caminho das pedras. Mas sei que eles irão fazer exatamente o que eu fiz para que meu império seja expandido.

Eu sou um empresário. Melhor, sou um megaempresário. Prefiro essa alcunha. Faz com que me sinta ainda mais imbatível. Quem poderia contestar a mim, um MEGAempresário? Ninguém.”


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