Por Frei Betto
Do site Pragmatismo
Político
Nada
mais parecido a um esquerdista fanático, desses que descobrem a nefasta
presença do pensamento neoliberal até em mulheres que o repudiam, do que um
direitista visceral, que identifica presença comunista inclusive em Chapeuzinho
Vermelho.
Os
dois padecem da síndrome de pânico conspiratório. O direitista, aquinhoado por
uma conjuntura que lhe é favorável, envaidece-se com a claque endinheirada que
o adula como um dono a seu cão farejador. O esquerdista, cercado de adversários
por todos os lados, julga que a história resulta de sua vontade.
O direitista jamais
defende os pobres e, se eventualmente o faz, é para que não percebam quão
insensível ele é. Mas nem pensar em vê-lo amigo de desempregados, agricultores
sem terra ou crianças de rua. Ele olha os deserdados pelo binóculo de seu
preconceito, enquanto o esquerdista prefere evitar o contato com o pobre e
mergulhar na retórica contida nos livros de análises sociais.
O
esquerdista enche a boca de categorias teóricas e prefere o aconchego de sua
biblioteca a misturar-se com esse pobretariado que nunca chegará a ser
vanguarda da história.
O
direitista adora desfilar suas ideias nos salões, brindado a vinho da melhor
safra e cercado por gente fina que enxerga a sua auréola de gênio. O
esquerdista coopta adeptos, pois não suporta viver sem que um punhado de
incautos o encarem como líder.
O
direitista escreve, de preferência, para atacar aqueles que não reconhecem que
ele e a verdade são duas entidades numa só natureza.
O
esquerdista não se preocupa apenas em combater o sistema, também se desgasta em
tentar minar políticos e empresários que, a seu ver, são a encarnação do mal.
O direitista posa de
intelectual, empina o nariz ao ornar seus discursos com citações, como a buscar
na autoridade alheia a muleta às suas secretas inseguranças. O esquerdista crê
na palavra imutável dos mentores do marxismo e não admite outra hermenêutica
que não a dele.
O
direitista considera que, apesar da miséria circundante, o sistema tem
melhorado. O esquerdista vê no progresso avanço imperialista e não admite que
seu vizinho possa sorrir enquanto uma criança chora de fome na África.
O
direitista é de uma subserviência abjeta diante dos áulicos do sistema,
políticos poderosos e empresários de vulto, como se em sua cabeça residisse a
teoria que sustenta todo o edifício de empreendimentos práticos que asseguram a
supremacia do capital sobre a felicidade geral.
O
esquerdista não suporta autoridade, exceto a própria, e quando abre a boca
plagia a si mesmo, já que suas minguadas ideias o obrigam a ser repetitivo. O
direitista é emotivo, prepotente, envaidecido. O esquerdista é frio, calculista
e soberbo.
O
direitista irrita-se aos berros se encontra no armário a gola da camisa mal
passada. Dedicado às grandes causas, as pequenas coisas são o seu tendão de
Aquiles.
O
direitista detesta falar em direitos humanos, e é condescendente com a tortura.
O esquerdista admite que, uma vez no poder, os torturados de hoje serão os
torturadores de amanhã.
O
direitista esbraveja por ver tantos esquerdistas sobreviverem a tudo que se fez
para exterminá-los: ditaduras militares, fascismo, nazismo, queda do Muro de
Berlim, dificuldade de acesso à mídia etc. O esquerdista considera o direitista
um candidato ao fuzilamento.
Direitista
e esquerdista – os dois são perfeitos idiotas. O direitista padece da doença
senil do capitalismo e o esquerdista, como afirmou Lênin, da doença infantil do
comunismo.
Embora
mineiro, não fico em cima do muro. Sou de esquerda, mas não esquerdista. Quero
todos com acesso a pão, paz e prazer, sem que os direitistas queiram reservar
tais direitos a uma minoria, e sem que os esquerdistas queiram impedir os
direitistas de acesso a todos os direitos – inclusive o de expressar suas
delirantes fobias.
Frei
Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros
livros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário