Por Tatiana
Vicentini
Não
consigo pensar em nada que irrite mais um repórter que uma pauta com o maldito
Fala Povo. Os editores costumam argumentar que o uso de personagens faz com que
os leitores identifiquem-se com a matéria. Então tá. Na época em que trabalhava
na Economia do JT, toda vez que abria meu computador para conferir minha pauta
do dia, fazia pensamento positivo, mandinga, novena e tudo mais que conheço
para que a discrição da pauta não fosse a seguinte: Vamos fazer uma matéria
sobre inadimplência e ouviremos os órgãos competentes e alguns economistas.
Além disso, vamos para a rua, com fotógrafo, fazer um fala povo com cerca de 10
personagens. A pergunta que não queria calar era: Vamos quem cara pálida? Eu
vou, né!
Agora me fale. Você, em sã consciência, toparia dar uma
entrevista, com foto estampada na primeira página do jornal, com os dizeres
fulano está com o nome sujo porque não pagou o financiamento do carro, teve
dois cheques devolvidos e não pagou a conta do celular? Ou seja, devo, não
nego, pago quando puder. Então, minha vida era assim. Acordava pela manhã, ia
para o jornal, tomava conhecimento da minha pauta e seguia para a rua, neste
caso na porta do Serasa, em busca de algum doido disposto a dar entrevista
sobre os temas mais diversos. Algum doido não, 10 doidos.
E a pergunta? Ninguém merece! “Oi, tudo bem? O senhor veio
limpar seu nome? Está devendo o que e por que”? Juro que se fosse uma das
vítimas responderia: “Minha filha está tudo ótimo. Estou aqui porque adoro
fazer turismo no Serasa, ficar na fila o dia todo e ainda e ser mal atendido”.
O pior é que não bastava pagar este mico apenas. Entre os personagens deveria
ter pelo menos duas mulheres dessas gostosonas, uma loira, claro. E para achar
uma dessas na fila dos inadimplentes. E para convencê-la que não queimaria o
filme sair na primeira página do jornal como devedora.
Esse foi apenas um dos casos. Lembro-me ainda a matéria do
feijão. Todos os repórteres da editoria arrumaram um jeito de escapar desta
pauta. Um belo dia meu editor, o responsável pelo meu Karma do Fala Povo, virou
para mim e disse: “Tatiana! Você ainda não me entregou a matéria sobre o
aumento do preço do feijão. Daqui a pouco ele baixa novamente e nós tomaremos
um furo”. Primeiro, ele nunca me pedira tal matéria. Segundo, materião, hein!
Terceiro, furo? Não consta na minha memória que nenhum jornalista que tenha
feito uma matéria sobre o aumento do preço do feijão tenha recebido o Prêmio
Esso por isso.
O duro foi a teoria levantada e que deveria ser questionada para
os dez personagens e para a tal gostosa. Que era a seguinte: Já que o preço do
feijão subiu, as pessoas devem tê-lo substituído por outro produto. Macarrão é
lógico. Imaginem a cena. Eu, na porta do Pão de Açúcar da Rua Ministro Rocha
Azevedo, nos Jardins, perguntando para a Angelita Feijó (o sobrenome foi apenas
uma acaso com o feijão), isso a socialite, atriz e modelo, se ela reparou no
aumento do preço do feijão e o havia substituído pelo macarrão. Hã?
Aliás, esse meu editor merece uma postagem inteira. Um dia farei
um breve perfil do ser. Ainda não sei se ele me amava ou me odiava. Já que o
dia em que eu ia trabalhar toda arrumadita, de salto e tudo, ele me mandava
para a favela para fazer uma matéria sobre ligações clandestinas, o famoso
gato. Mas, quando eu aparecia de tênis, rabo de cavalo e calça jeans, ele me
mandava para a Daslu ou para entrevistar o presidente da Fiesp. E morria de rir
da maldade.
Aí, tem outra pessoa diretamente atingida pela loucura dos milhares
de personagens do fala povo. Já viu a alegria de um fotógrafo quando a pauta
chega na fotografia e está lá bem grande para quem quiser ver FALA POVO – 10
personagens. Eu já jurei por todos os santos que não era culpa minha, nem o
maldito fala povo e muito menos o número de entrevistados. O duro é que eram
dez personagens, com aquelas fotos super originais, que todo fotógrafo adooora,
o retrato (quase uma foto três por quatro) e normalmente saiam apenas dois, a
gostosa e alguém com uma história inusitada. Morte ao repórter na certa! E o
tanto de ligação que eu recebia de pessoas me perguntando: “Dei uma entrevista
para você. Minha foto não vai sair não”? Foi quando descobri que existe doido
para tudo neste mundo. O cara não faz nada da vida mesmo. Parou no meio da rua
para dar uma entrevista, em horário de trabalho, se deu ao trabalho de lembrar
o nome da repórter e pior, descobrir o telefone da redação para cobrá-la sobre
a foto. Me economiza, vai!
Meus maiores dramas foram duas pautas em especial. A primeira na
época do racionamento de energia. Todo dia eu tinha que achar alguém que tinha
ficado sem luz no dia anterior e, detalhe, fazer uma foto dela no escuro.
Novamente a pergunta proposta era uma pérola. “O que o senhor está achando do
apagão”
Depois me falam que sou Tolerância Zero. A outra foi na época
que o preço da gasolina subia e descia todos os dias, CPI do combustível e tudo
mais. Meu querido editor me deu a seguinte tarefa: Durante todo o mês eu
deveria percorrer, diariamente, cinco postos de gasolina de cada região da
capital para conferir na bomba o preço do álcool e da gasolina, com duas
estagiárias a tira colo. Fofas, mas essa elas me devem. Ah! Isso deveria render
uma matéria por dia. No final do mês eu já estava colecionando leads sobre o
assunto.
Mas nada me deixou mais traumatizada, ainda na época do
racionamento de energia, que a história do roubo de lâmpadas fluorescentes nos
hotéis cinco estrelas de São Paulo. Novamente meu genial editor me chamou em
sua mesa e me passou a seguinte informação: Alguém da diretoria leu na coluna
do Giba 1 que um hotel de luxo de São Paulo não sabe mais o que fazer em
relação ao roubo de lâmpadas dos quartos. Ache essa nota e se vire para achar o
hotel. Virei a Internet e os jornais da semana do avesso tentando encontrar a
tal nota e nada. Tive a brilhante idéia de procurar um guia de hotéis da cidade
e ligar para todos os cinco estrelas.
Que vergonha! A pessoa mais educada me deu a seguinte resposta:
“Querida, você é do JT não é? Então, como jornalista bem informada deveria
saber que nossa diária mínima custa R$ 1,5 mil. A troco de que uma pessoa que
paga esse valor roubaria uma lâmpada? E outra, se isso estivesse acontecendo
nós nunca falaríamos. Tudo que está dentro dos quartos já está embutido no
valor da diária”. Ah! Então ta. Obrigada. Isso não seria nada se o mala do
editor tivesse se dado por contente e não me mandado ligar para todos os quatro
e três estrelas, pousadas, albergues, motéis e semelhantes. “Se alguém der essa
matéria amanhã você está na rua”. Posso dizer que trabalhei no JT por mais
alguns longos anos. Giba 1 você me deve essa! O Coxinha…nem comento! Deve estar
trabalhando na produção do Fala Que Eu Te Escuto.
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