Lembro ainda
hoje a última vez em que torci por um time de futebol.Foi em 2000.E mesmo
depois de uma conquista comecei a me perguntar “e aí,o que vem depois?”.Afinal o time ganhou,mas eu não.Os
jogadores são( e continuariam após aquela conquista) milionários.O time
perdendo ou ganhando,não mudaria minha rotina de ter que levantar cedo no dia
seguinte e ir a para o trabalho.Enfim,a vida continua,com vitória ou
derrota.Para muitos,a segunda foi melhor com o sucesso da equipe,mas quando
você condiciona seu humor ou o seu ritmo de vida à vitórias ou insucessos de
seu time favorito,então tem alguma coisa errada com sua vida.
Isso me fez reavaliar muitas coisas e
enxergar outras por um outro prisma.E olha que desistir de torcer a favor do
meu time(como se fosse meu...) não foi tão difícil quanto imaginei que seria.Já
tinha parado de torcer para a seleção brasileira de futebol desde a Copa de
1998.Foi uma sensação interessante torcer pelo time de azul,na final do que o
de amarelo(sim,porque tem que ser muito ingênuo e/ou alienado pra afirmar que
ali era a pátria de chuteiras,que era o Brasil contra a França).Primeiro
ponto.Se fosse a Pátria,então os
jogadores deveriam ser convocados para defender o país(!!) e sem cobrar uma
fortuna por isso.A CBF(que como diz o jornalista Juca Kfouri é a Casa Bandida
de Futebol)não poderia cacifar milhões e milhões com o evento,afinal é pela pátria.E segundo,TODAS s emissoras
de televisão poderiam e deveriam transmitir o evento (ou,na pior das hipóteses,só
as emissoras educativas,afinal é a pátria).Ao
comentar certa vez com um colega que eu ‘torcia contra’ a seleção
brasileira,ele se irritou e disse que isso não era coisa de patriota,de
brasileiro.Simplesmente lhe perguntei :”em quem você votou nas últimas
eleições?”,e ele “sei lá,não me lembro;não gosto e nem me interesso por
política!”.Taí o argumento típico de pessoas que tem percepção diferente de
cidadania.Para uns,é torcer pela “seleção canarinho” durante a copa;para outros
exercer seu direito legítimo de votar(porque deveria ser encarado como um direito inalienável)entender de política,ser
participativo e cobrar as autoridades em caso de eventual desmando ou
prevaricação,ou até improbidade. Claramente,diferentes propósitos e metas.Futebol tem sido usado
como arma de manipulação há vários anos e as pessoas nem percebem.
Durante o
malfadado governo Sarney,houve muita polêmica a respeito de qual seria a
duração de seu mandato.A maioria do Congresso queria quatro anos;Sarney,por sua
vez queria seis.Depois de muita negociação nos bastidores ficou acertado que
seria de cinco anos,seu mandato e os próximos fossem de quatro anos.E não foi
coincidência,já que essa manobra faria as eleições presidenciais caírem em ano
de Copa do Mundo.É o sonho de consumo dos políticos que a seleção brasileira vá
bem no torneio,de preferência conquiste o título,para que o humor do brasileiro
fique nas alturas e não perceba as coisas erradas que assolam este país
(miséria,desigualdade,falta de escolas e hospitais,criminalidade
altíssima).Durante o regime militar,os usurpadores verde-oliva chamaram o
futebol de “o ópio do povo”.Com razão.A própria conquista da seleção,na Copa de
70 foi usada como forma de desviar a atenção da sociedade das monstruosidades
que ocorriam nos porões pelos quartéis,Brasil afora.
Voltando ao cenário atual.Hoje,o que poderia
ser um hobby ou um lazer de fim de semana(e futebol é SÓ isso,um
entretenimento)se tornou um risco mortal.Com grupos paramilitares(conhecidos
como torcidas organizadas) tomando de assalto as ruas das grandes cidades fica
impossível acompanhar in loco o time
do coração com a família.Muitos jovens perdidos emocionalmente acabam se
juntando às fileiras desses grupelhos liderados por bandidos,buscando muitas vezes
se encontrar,fazer parte de algo e,num momento de incerteza,eis que acham que
se filiar a um grupo de torcedores fará com que se sinta pertencendo à alguma
coisa.Cheguei acompanhar uma reportagem da TV Gazeta onde um jovem dizia que
aquele grupo (havia mais de 200 pessoas perto dele)era a verdadeira família
dele.Soma-se a isso,aqueles olhares vidrados dos torcedores nos estádios,como
se estivessem dopados,esbravejando a cada lance errado do time e podemos
entender que a irracionalidade pura impera nesse meio.Consegue imaginar pessoas
que tem um vida (segundo elas mesmas) limitada,se sentindo frustradas,mal
resolvidas,buscando redenção em um jogador,em um clube,em uma seleção?E quando
essa redenção não acontece (a vitória,a conquista,subjulgar o time adversário)a
frustração reaparece com força total,canalizando seus desequilíbrios e seus
recalques nos jogadores do clube que ele torce(e que ele diz amar)?!?Quantas
vezes já acompanhamos reportagens em que jogadores são
perseguidos,agredidos,emboscados...E tudo porque?Para que o “torcedor” possa
ter sua vingança contra o mundo que não o entende.
Não me entenda mal.Aprecio o futebol como um
todo(não que eu consiga ficar quase duas horas em frente ao televisor para ver
uma partida).Tem suas nuances e admiro quem o faça bem,com decência e que saiba
“dar espetáculo”.Muitas vezes já acompanhei o time do Barcelona (que se encaixa
na descrição que fiz)fazendo partidas interessantes.Mas até nesse caso,a comparação
não parece justa.Para os torcedores da equipe, o Barcelona é mais que um time
pois representa a ânsia de emancipação do povo da Catalunha.Estes torcedores
não se consideram espanhóis e sim catalães;não gostam de falar espanhol e sim
catalão.E sonham com o dia em que isso se tornará realidade.Esse ideário
passa,necessariamente,pelo time.Em casos como este,o futebol tem serventias,ou
como prática esportiva saudável,sem se tornar algo passional.Se fosse sempre
assim,então o futebol poderia ter muito mais utilidade do que ser apenas ser usado
como massa de manobra pra desviar o foco das coisas realmente
importantes,fazendo com que as massas permaneçam na mais completa ignorância.
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